No Norte e Nordeste, modelos descentralizados e autossustentáveis de acesso, tratamento e gestão de água em áreas rurais têm gerado resultados significativos. Mas ainda falta articulação na sociedade.
Apesar de considerado um direito de todos e um componente fundamental na qualidade de vida, 35 milhões de pessoas no Brasil ainda não têm acesso à água potável, o equivalente à população do Canadá ou mais de três vezes a população de países como Grécia ou Portugal. Segundo o Instituto Trata Brasil, 95% da população urbana contam com água tratada em suas casas. Mas apenas 27,8% dos domicílios rurais estão ligados à rede de distribuição de água. São 20 milhões de pessoas em áreas rurais sem acesso à água (IBGE). Além disso, as formas de abastecimento são, em sua maioria, precárias e não têm controle efetivo e vigilância sobre a qualidade para consumo.
O acesso a água potável, coleta e tratamento dos esgotos são fatores que impactam positivamente na saúde pública e geram benefícios sociais e econômicos que superam entre 4 e 16 vezes o investimento realizado, de acordo com o Banco Mundial. Cada gota e cada centavo valem a pena.
Segundo o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), são necessários R$ 508 bilhões para universalizar o acesso à água e ao saneamento no Brasil até 2033. No entanto, de acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), metade de todos os investimentos e projetos do setor realizados na América Latina fracassa em até cinco anos, por não atenderem contextos locais ou contemplarem modelos econômicos que permitam a continuidade de sua operação, manutenção ou viabilidade para expansão.
A boa notícia é que existem modelos descentralizados e autossustentáveis de acesso, tratamento e gestão de água em áreas rurais que têm gerado resultados significativos. São os chamados modelos de gestão comunitária de água, que tiveram início no Brasil na década de 1990 e hoje já estão operando em mais de 1.500 comunidades de estados como Ceará, Bahia, Piauí e Espírito Santo.
Constituídas sem fins lucrativos por cidadãos comuns, essas instituições estão ajudando a resolver um problema de segurança hídrica. Uma série desses modelos e dados sobre o contexto do saneamento rural pode ser vista no estudo Acesso à Água nas Regiões Norte e Nordeste: Desafios e Perspectivas, elaborado pelo Instituto Trata Brasil.
Mesmo assim, por mais promissores que sejam tais modelos, o tamanho e a complexidade do desafio fazem com que qualquer atuação isolada não seja suficiente para provocar mudanças necessárias para reverter o quadro. Mudanças e impacto em larga escala requerem ampla articulação e alinhamento entre diferentes atores da sociedade: público, privado e sociedade civil, em prol de uma agenda e objetivos comuns.
Em artigo publicado em 2011, na Stanford Social Innovation Review, John Kania e Mark Kramer, economistas da FSG Social Impact Advisors, estruturam o conceito de “impacto coletivo”. Trata-se do comprometimento de grupos e coalizões formadas por pessoas e organizações relevantes em torno de uma agenda comum de transformação, para solucionar um problema social específico.
Para obter melhores resultados em grandes desafios e causas, é preciso ir além da lógica antiga de organizações e projetos individualizados, em direção a alianças e coalizões de impacto que congreguem esforços para um maior impacto.
Esse foi o espírito e o caminho trilhado para criar a Aliança Água+ Acesso, rede de organizações que implanta soluções inovadoras e modelos autossustentáveis para o acesso e tratamento de água em comunidades rurais de baixa renda em todo o País.
A iniciativa foi lançada em março de 2017 pelo Instituto Coca-Cola Brasil, em parceria com Banco do Nordeste, Fundación Avina, Instituto Trata Brasil, World-Transforming Technologies (WTT) e algumas das principais organizações de acesso à água no Brasil, como Sisar Ceará, Projeto Saúde e Alegria e Fundação Amazonas Sustentável (FAS). Além do investimento, o papel do Instituto Coca-Cola Brasil foi de apoiar a gestão do programa, mobilizar colaboradores e parceiros de toda empresa, além de articular parceiros que permitam ampliar a abrangência da aliança e dos modelos em áreas rurais brasileiras.
No Pará, o Projeto Saúde e Alegria cocriou e tem expandido a implantação de uma tecnologia que utiliza de forma híbrida o diesel e a energia solar para viabilizar o bombeamento de água para 150 famílias e 500 ribeirinhos da comunidade de Suruacá, com menores custos e de forma mais sustentável. Nas comunidades de Solimõeszinho e Marajá, no Amazonas, já é possível avaliar e ouvir das pessoas o quanto o sistema contribui para a redução de doenças transmitidas pela água.
No primeiro ano de atuação, o Água+ Acesso beneficiou mais de 4.200 pessoas em 15 comunidades de três estados. Hoje, já são 15 organizações integrando a Aliança Água+ que, até o fim de 2018, deverá impactar 50 mil pessoas diretamente, em mais de 100 comunidades rurais de oito estados brasileiros.
Como o Brasil conta com uma diversa complementariedade de ativos, redes e expertises, a soma de esforços de organizações para agendas transformadoras é uma das formas mais promissoras para gerar aprendizados, otimizar recursos, ampliar impacto e produzir mudanças sistêmicas.
Se já sabemos que uma andorinha só não faz verão, que tal convidar todas para irem juntas?